segunda-feira, 1 de março de 2010

MATAR AS SAUDADES


MATAR AS SAUDADES
Ultimamente, ando pensando muito nesse termo tão
comum em nossa linguagem cotidiana: matar saudades.
A gente não mata saudades, pelo menos não deveria.
Depois que fiquei sabendo que existe um pássaro e
uma planta que também levam esse nome,
aí então é que fiquei mais receosa de estar sendo
ecologicamente incorreta.
Saudade é para ser sentida e curtida como vinagrete.
Para ser uma saudade verdadeira, ela tem de ser
duradoura e perene como diria um cantor da década de 30.
Mas, saudade é isso mesmo, um sentimento brega,
uma canção nostálgica,
um almanaque do amigo-da-onça, lembram?
Mas, pensando bem saudade também pode ter um
gosto de Pasquim. Que saudades da Leila Diniz !
Eu sinto saudades de tudo. De odores, lugares,
amigos de trabalhos anteriores, do gosto do sorvete de pistache,
maçã do amor, de alguns beijos e até de mim mesma.
Saudade transformada em imagem é um navio enorme no começo.
E com o passar do tempo vai se transformando em uma jangada,
mas a gente nunca deixa de vê-la no horizonte.
Saudade é insistente como pernilongo em dia de
calor, resiste ao remédio, às chineladas, ao jornal,
mas não se deve matá-la não !
A vantagem de não se matar a saudade,
além de estar garantindo a preservação da espécie,
é que a gente sempre pode contar com a companhia dela.
Isso sem mencionar que quando matamos uma saudade
estamos matando um pouquinho de nós mesmos e
tudo o mais que esteja envolvido com a própria.
Por isso sou adepta da liberdade total para a saudade.
Ela deve poder exercer seu direito legítimo
de ir e vir quando quiser e entrar e sair do peito como
os pássaros migrantes. Acho mesmo que vou instituir
direitos humanos para a saudade.
Se saudade tivesse cor, seria azul.
Não aquele azul chinfrim, desbotado de calça jeans!
Seria azul como alma de anjo.
Seria aquele azul da famosa piscina da Gal Costa,
que possuía uma boca enorme desenhada no fundo.
A saudade nas crianças pequenas é convertida em lágrima,
choro sentido mesmo. Elas não desejam matar a saudade,
só amenizá-la em um colo aconchegante, de preferência
naquele que pertença ao objeto dessa saudade.
Isso me faz lembrar das saudades que sentimos
das carícias de quem amamos.

Dá para matar essa saudadezinha tão gostosa?
Se saudade tivesse uma estação própria seria o
Outono ou a Estação da Luz em São Paulo, antes da reforma.

Mas uma coisa eu devo admitir,
que a danada da saudade rouba nossa paz, lá isso rouba !
Parece uma fome que não passa, uma dor sem lugar fixo,
o outono dentro dos olhos …
Mas, saudade não é para ser matada. Saudade é para
ser suavizada, amenizada, saciada e às vezes embalada.
Hoje carrego a bandeira da preservação da saudade.
Que seria dos compositores e poetas sem ela ?
A saudade deve ser como uma estrela muito brilhante
em nossas vidas, à noite nos impressiona e quase
sufoca com seu brilho e de dia desaparece só para
nos deixar com um pouco de saudades …
Se saudade fosse música, teria uma boa
representação na canção do Djavan que diz
“ ... Um dia frio,
Um bom lugar prá ler um livro,
E o pensamento lá em você,
Eu sem você não vivo …

E dá para viver sem saudades ?

MAURA TEREZA

SEMENTES DA VERDAD


SEMENTES DA VERDADE

Não há luz que não espante a treva

Não há sorriso que não ilumine um semblante

Não há riso que não sane o mau humor

Não há amor que não desfaça o ódio

Não há perdão que não traga a cura

Não há humildade que não rebaixe o orgulho

Não há simplicidade que não enrugue a vaidade

Não há beleza interior que não nuble a beleza externa

Não há tolerância que não vença a ignorância

Não há persistência que não atinja um objetivo

Não há calma que não inferiorize a ira

Não há paciência que não dissolva a ansiedade

Não há coragem que não dissolva o medo

Não há serenidade que não desarme a agressão

Não há desprendimento que não ridicularize a avareza

Não há ambição bem dosada que não humilhe a ganância

Não há fé que não vença a rebeldia

Não há rendição que não cesse a guerra

Não há silêncio que não quebre a exaltação

Não há compreensão que não incomode o erro

Não há verdade que não derrube a mentira

Há olhos que observam os meus atos e também os teus:

não há atos que não sejam vistos

nem há pensamentos que não cheguem a Deus . .

MAURA TEREZA